terça-feira, 16 de agosto de 2016

Se você não é mãe, shiu

Essa é uma problemática que disparou nos assuntos da semana passada e foi se arrastando até o presente momento; possivelmente continuará se arrastando pelos próximos dias. Eu não só poderia, como vou citar vários dos casos discutidos online e tachados como cagação de regra por inúmeras pessoas, por exemplo o fato de que mãe de pet não existe.


Não é de hoje que me sinto deslocada como mãe dentro dos movimentos e dos discursos feitos por quem não entende nada dessa responsabilidade. No movimento feminista, por exemplo, poucos são os casos de mulheres que NÃO tem filhos/NÃO gostariam de ter, que dão suporte para as que são - mesmo que contra a sua vontade. Dito isso, gostaria de deixar claro que independente das circunstâncias que me levaram a ter uma filha, me faltou apoio durante o processo - fosse este do local onde eu trabalho ou de pessoas ao meu redor que se diziam próximas a mim. Aliás, essa foi uma das reclamações mais contantes de outras mães que conheci nesse período. Longe de mim carregar a minha filha como um fardo - apesar de respeitar MUITO àquelas que enxergam suas crias dessa maneira, afinal, não estou no lugar delas e não sou capaz de imaginar o que elas passam -, embora durante a gestação eu acreditei fielmente que não saberia como educar, amar, criar um outro ser humano. Só eu sei como foi gerar um bebê em um mundo onde nunca é um bom momento para se engravidar; só eu sei como foi andar na rua com uma barriga enorme lidando com todo o tipo de olhar, como se eu devesse me envergonhar por ser tão nova e já estar grávida. Juro que conseguia ouvir as vozes flutuarem do pensamento das pessoas dizendo: "mas óbvio, com esse cabelo colorido e essas tatuagens, ela claramente está perdida na vida e vai colocar outro ser humano perdido no mundo" ou "não se cuidou, se tomasse remédio não ia estar nessa situação" ou "destruiu todo o futuro dela, vai ser uma ninguém". Ouvi da boca do meu chefe um "pra quê?" quando o comuniquei que iria fazer o enem, como se entrar numa universidade fosse algo completamente estúpido na minha posição de mãe. Engoli - e permaneço engolindo - seco a dificuldade que seria me tornar uma universitária sendo independente dos meus pais e, além disso, mãe. Por isso me afasto dia após dia dos movimentos feministas acadêmicos, porque são elitistas e não me cabe ali, não cabe nenhuma mãe ali. Eles dizem que há apoios estudantis para mães universitárias, mas vocês já ouviram como é difícil encontrar vaga nas creches públicas? Vocês já sobreviveram com quatrocentos reais por mês para sustentar você e outra pessoa? Vocês já imaginaram que se é difícil trabalhar e estudar, então ser mãe entre essas duas tarefas é exaustivo? Vocês já perceberam que o tratamento para com as mães é sempre reduzi-las a essa única função e, quando concluída essa tarefa, reduzi-las ainda mais por essa ser sua única função?

E então, de repente, uma mulher que não quer ter filhos at all - nada contra também, cada um com sua escolha - vira para mim e me diz que é mãe de um cachorrinho e que esse pet recebe um tratamento cinco estrelas que a minha cria jamais receberá, porque ela tem condições de dar todo o conforto necessário para que o pet dela tenha tudo do bom e do melhor. Isso mesmo, ela acabou de comparar as responsabilidades, as dificuldades, as oportunidades e todas as outras coisas entre um pet e um ser humano. Ela desrespeitou todas as coisas pelas quais eu passei e passo. Ela ignorou um amontoado de vertentes e transformou a ideia de ter um animal de estimação e um filho em linhas perpendiculares. É absurdo. É como se ela estivesse dizendo que eu posso deixar minha filha deitada no tapete da sala, com potes de comida e água no chão ao alcance, enquanto trabalho/estudo/arrumo a casa/faço qualquer coisa. É como se ela estivesse dizendo que em uma entrevista de emprego, ela ter um pet a impedisse de conquistar a vaga como ME IMPEDE. É como se ela estivesse dizendo que passou meses acordando de três em três horas, exausta, para alimentar, trocar a fralda, dar banho, lidar com cólicas, ensinar a sentar/falar/andar. É como se ela estivesse dizendo que EU falhei miseravelmente na maternidade, afinal, ela tem um cachorro e é uma excelente mãe para ele. Ouvi ainda, após essa série de audácias, dizerem por aí que então eu estaria dizendo que mãe adotiva não é mãe, como se a única diferença entre um pet e uma criança adotada fosse que ambos não foram gerados pela pessoa responsável por criar - assunto que nem vou discutir, porque ultrapassa as barreiras da imbecilidade.

A minha tentativa não é de que sintam pena das mães, mas que exista suporte, compreensão, empatia para com elas. É um tiro no escuro para que antes mesmo de você reproduzir um discurso escroto desses, você repita em voz alta para si mesmo várias vezes para ter certeza da frase repulsiva que você está prestes a lançar na vida de alguém que provavelmente está exausta. Não é cagar regra na vida dos outros dizer que a maternidade é MUITO MAIS (de longe ainda) complicada e agressiva do que ter um pet. O termo maternidade não se refere somente a AMOR MATERNO, é um termo muito mais pesado que isso, amor não é o bastante para poder usá-lo. A tentativa é de que as pessoas parem de apontar o dedo para a mãe que colocou a filha no chão no aeroporto, sem nem entender a razão. A tentativa é de que parem de olhar de dentro da caixa e, pelo menos uma vez, tentem olhar com os olhos de quem está queimando na fogueira. Eu não quero mais ser queimada nessa fogueira de gente medíocre que só sabe dizer o quanto a minha vida foi destruída por me tornar mãe. Eu quero que alguém ouse me ajudar a apagar a fogueira para ter o futuro que mereço ter, independente de ter uma filha ou não.

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